Texto socializado para contribuir com o nosso debate enquanto Juventude da Articulação de Esquerda
Juventude : reflexões para o debate
Elisa Guaraná de Castro (prof. UFRuralRJ)
Colaboração Julian Viscente Rodrigues (Especialista em Economia do
Trabalho )
Concepção
: como sair da armadilha do essencialismo?
Juventude
tem
sido alvo de intensos debates acadêmicos, políticos e no campo das políticas
públicas. Esse momento é especialmente rico para abordarmos a chamada “questão
da juventude”. No entanto, ainda registramos a dificuldade de
transcendermos o debate “essencialista”, isto é, que busca a essência, a
definição-conceito de juventude, tão caro ao objetivismo da ciência
moderna. O debate não deve ter como fim a busca da essência da juventude.
Neste
texto proponho caminhos para se discutir juventude a partir da concepção de que
juventude é uma categoria social disputada, mesmo no que concerne aos
seus significados. Ao falarmos de juventude estamos falando de pessoas,
coletividades e significados em disputa. Para essa tarefa proponho abordar o
debate, em primeiro lugar recuperando algumas construções conceituais de juventude;
em seguida apresentarei um possível caminho para a discussão, e, sob esse
enfoque, traçarei algumas considerações sobre o debate nos movimentos sociais e
no PT.
Concepções
de juventude: recuperando o debate
Juventude está, hoje, na
ordem do dia. Isto é, juventude aparece na mídia, em ações
governamentais e não governamentais, nos movimentos sociais, como algo sobre o
qual temos que nos debruçar e debater. Mas nem sempre foi assim. É comum
trabalhos acadêmicos que resgatam como juventude, até bem pouco tempo,
era um tema periférico e pouco levado a sério como foco de pesquisa. Esse é sem
duvida um momento rico para o debate, principalmente quando o observamos a
partir dos atores envolvidos e dos caminhos utilizados para abordar o tema juventude.
Insisto em tema, já como um primeiro passo para discutirmos os caminhos que vem
sendo acionados para analisar juventude.
Se
até a década de 90 podemos afirmar que havia pouca preocupação, dos atores
envolvidos nesse debate, em precisar “de quem estavam falando”, ou ainda,
definir o que se entendia por juventude. Hoje esse é geralmente o ponto
de partida das discussões sobre juventude. Busca-se uma definição que dê
conta do fenômeno juventude, da categoria juventude, do ser
jovem, em fim das muitas formas de se abordar, aquilo que é ao mesmo tempo
realidade e representação social. Sem dúvida ao se falar de juventude,
hoje, estamos falando de pessoas, movimentos, mas também estamos falando de
identidades, relações sociais, e a indissociabilidade entre realidade e
representação social. Entre o que é realidade e como apreendemos e reproduzimos
esse real.
Permeada
por definições genéricas, associada a problemas e expectativas, juventude
tende a ser constantemente substantivada, isto é, definida a partir de
concepções que tratam juventude como uma coisa palpável. Ou ainda,
adjetivada, a partir de adjetivos como revolucionária, impulsiva,
violenta. Sem que se busque a autopercepção e formação de identidades
daqueles que são definidos como jovens.
Jovem é um termo usado
pelo senso comum, pelo campo acadêmico e mesmo em espaços políticos, desde o
século XIX. Inicialmente em uma concepção geracional que opunha jovens e
velhos, ou jovens e adultos. No final do século XX e nesse
início do séc. XXI houve um grande impulso no debate sobre juventude.
Entretanto, muitos trabalhos tratam juventude como categoria
auto-evidente ou auto-explicativa, como se a concepção de juventude fosse
consensual, utilizando idade e/ou comportamento como definições metodológicas.
Essa concepção de juventude é retomada nos anos 90, tanto no campo
acadêmico quanto pelas políticas sociais. Muitas dessas construções carregam um
olhar em que juventude é passível de uma definição universalizante.
Um
primeiro caminho é relevante para a análise desse debate: ressaltar as análises
e definições mais recorrentes e a própria crítica a essas concepções. Três
movimentos ou momentos se desenham: 1) a
definição da categoria a partir de elementos físicos/psicológicos, como faixa
etária, mudanças físico-biológicas e/ou comportamentais; 2) a definição
substancializada/adjetivada da categoria; e 3) a crítica a esses recortes e
busca de outros vieses. Atravessando essas abordagens aparece com freqüência a
associação de juventude e jovem a determinados problemas
sociológicos e/ou como agentes privilegiados de transformação social.
As
definições físico-biológicas e a partir da idade
Flitner
(1967), um autor alemão que se debruçou sobre o tema, observa que já em estudos
do século XIX a idade aparece como uma forma de identificação
privilegiada. Idade juvenil surgiu
como uma definição recorrente que se referia a um período pós-puberdade, entre
15-17 anos e um limite que variava com a entrada no que seria definido como mundo
adulto.
A
identificação de uma população como jovem a partir de um corte etário
aparece de forma mais clara em pesquisas da década de 60, como a de Stoetzel
(1968) sobre os jovens na sociedade
japonesa. O autor define como jovens, indivíduos de uma determinada
faixa etária e os analisa a partir de recortes como ciclo-de-vida e
comportamento.
O
corte etário de 15-24 anos, adotados por organismos internacionais como OMS e
UNESCO, procura homogeneizar o conceito de juventude a partir de limites
mínimos de entrada no mundo do trabalho, reconhecidos internacionalmente, e
limites máximos de término da escolarização formal básica (básico e médio). O
recorte de juventude a partir de uma faixa etária específica é pautado
pela definição de juventude como período de transição entre a adolescência
e o mundo adulto. Essa concepção se estabelece como a mais recorrente a
partir da Conferência Internacional sobre Juventude (Conferência de
Grenoble-1964, ver, Weisheimer, 2004).
Esta
primeira classificação que define jovem a partir de limites mínimos e
máximos de idade é amplamente discutida. Para Levi e Schmitt (1996), em História da Juventude, a idade como
classificadora é transitória e só pode ser analisada em uma perspectiva
histórica de longa duração. Um caminho seria analisar os ritos de passagem que
indicam a “entrada” e a “saída” da condição jovem e suas construções
simbólicas.
O
autor francês Thévenot (1979), discute as definições etárias mais recorrentes.
Analisando as estatísticas oficiais da França sobre jovens, decompõe a
classificação utilizada demonstrando que esta parte de uma pré-definição e
conseqüente enquadramento de quem são os jovens, onde estão e o que
fazem. Mas, para o autor, este recorte estaria baseado em uma classificação fundadora
deste tipo de levantamento estatístico: a divisão da sociedade em ativos e
inativos em relação ao mundo do trabalho. Dessa forma, Thévenot procura
demonstrar que o uso de termos como jovem
e velho por este tipo de levantamento
estatístico é arbitrário, pois parte de uma definição uniforme da juventude construída a priori. Os jovens estariam em
uma situação intermediária, que, para Thévenot, mascara os que poderiam ser
classificados como jovens trabalhadores ou jovens desempregados[1].
Outra
abordagem recorrente, que também caracteriza a idade como uma construção social
são definições que partem do conceito de geração. Para Mannhein (1982;
Foracchi,1972), duas gerações convivem em dado contexto histórico, juventude,
caracterizada como um momento do ciclo-de-vida de todo indivíduo, em oposição à
condição adulta.
Os
estudos sobre campesinato trouxeram importantes contribuições para o
debate. Embora juventude rural seja alvo de muito pouco investimento
teórico, alguns estudos debatem concepções de juventude, ainda que este
não seja o objetivo central. Este é o caso de um trabalho sobre o campesinato
irlandês intitulado “Família e Comunidade na Irlanda”, dos autores Arensberg e
Kimball. Neste estudo os autores dão visibilidade a diversas questões que envolvem
juventude e ser jovem em uma comunidade rural. Um dos pontos
centrais são as relações hierárquicas que envolvem a definição de velho e
jovem. Só se tornam adultos e, portanto, respeitados nestas
comunidades aqueles que assumem a pequena propriedade da família. Aqueles cujos
pais ainda estão vivos ou não passaram o gerenciamento da propriedade para os
filhos são tratados pelo termo boy. Mas,
embora a tradução literal desse termo seja menino,
podia ser usado para designar um homem adulto de 40 anos. Assim, nas
palavras de um filho de um pequeno proprietário: “Você pode ser um menino
para sempre.” Enquanto o indivíduo não fosse proprietário, ele continuava
sendo tratado como o boy do fulano
[seu pai]. Um deputado do parlamento irlandês provocou risadas em 1933, quando
pediu um tratamento especial na divisão de terras para os “meninos de 45 ou
mais”, que não possuíam outra perspectiva, que não esperar pelas terras de
seus pais. (Castro, 2004)
O
recorte etário permite pesquisas quantitativas em larga escala e a definição de
públicos-alvo de políticas públicas. No entanto, deve-se observar os limites
destas definições e questionar a naturalização da associação entre juventude
e uma faixa etária específica.
A década de 90 – juventude e diversidade
O
debate, principalmente a partir das décadas de 80 e 90, trouxe o olhar da
diversidade. Para além dos cortes etários, ou apesar deles, não se fala mais em
juventude, mas em
juventudes. Sem dúvida este foi um caminho que
contribuiu para fugirmos de um olhar homogeneizante. Helena Abramo[2]
nos traz, por exemplo, a importante reflexão sobre a associação entre juventude,
educação e lazer, como uma construção socialmente informada. Essa seria uma
concepção classe média que trata a juventude como aqueles que estão em
processo de formação e que ainda não têm responsabilidades, principalmente por
não estarem inseridos no mercado de trabalho. Com isto se exclui o jovem
das classes trabalhadoras da concepção de juventude. Esta é uma
contribuição importante para ampliarmos nosso olhar sobre a juventude,
mas, também, para percebermos como juventude é uma construção social.
Pierre
Bourdieu, um dos precursores no debate sobre juventude, apresentou uma
leitura que gerou muita reação. Ao dizer “Somos sempre o jovem ou o velho de
alguém”, em um texto intitulado “Juventude é apenas uma palavra” (1983) foi
amplamente interpretado como aquele que cunhou um olhar que reduz juventude
a um estado de espírito. Ledo engano, o que Bourdieu traz é um olhar relacional
sobre juventude. Juventude, como qualquer outra categoria social,
deve ser observada a partir das relações sociais, do contexto histórico, das
relações de poder, em que está imersa.
Juventude problema – juventude vanguarda
A
substantivação/adjetivação de termos como jovem e juventude pode
levar a generalizações arriscadas. Em “A
Juventud es más que una palabra”,
Margulis (1996) – respondendo ao texto de Bourdieu citado acima – qualifica juventude
como,
“A Juventude se ergue como vanguarda portadora
de transformações, evidentes ou imperceptíveis nos códigos culturais, e
incorpora com naturalidade as mudanças nos costumes e nos significados que
foram objetos de luta para a geração anterior; sua sensibilidade, sistema
perceptivo, visão das coisas, atitude frente ao mundo, sentido estético,
concepção do tempo, valores, velocidades e ritmos, nos indicam que estão
habitando com comodidade um mundo que nos vai deixando para traz.” (T.A.)”
(1996:9)
Esse
olhar quase heróico sobre juventude
perpassa muitos trabalhos sobre o tema, nos quais a juventude aparece
como agente de transformações sociais e o jovem como o ator social
privilegiado. Se esta imagem de juventude
parece “positiva”, carrega duas concepções subjacentes. A primeira a
idéia de que é na juventude que definimos o futuro de nossas vidas.
Talvez em sociedades de “pleno emprego” do primeiro mundo, o mito do projeto de
vida faça mais sentido. Em sociedades onde reina a desigualdade social e o
desemprego esta “escolha” do futuro é muito mais sonho que realidade. Segundo,
a idéia de que decidimos nossas posições político-ideológicas frente ao mundo
na juventude. É comum a imagem que associa juventude e rebeldia,
no sentido de que quando jovens “podemos tudo”. A idéia correlata
é de que quando deixamos de ser jovens e ingressamos no mundo adulto, nos
tornamos sérios e responsáveis. Como bem apontaram Luis Papa e Luis Cláudio
Longo (2001), a “transição individual da condição subalterna do ser jovem” para
a condição de adulto, “é reafirmada, atemporalmente para a juventude,...
enquanto categoria social”.
A
concepção de “jovem em formação” fortalece uma concepção conservadora de juventude.
A disputa política se dá na sociedade das mais variadas formas, e, também,
entre e com os jovens. Mas, certamente, que pelos jovens serem
percebidos socialmente como “em formação” recebem um bombardeio maior da mídia,
de partidos políticos, da família, da igreja, etc.
Assim,
mesmo quando se faz a crítica à substancialização ou à pré-definições etárias,
em muitos casos, vemos ser reforçada a característica transformadora “inerente
ao jovem”. Ou ainda, a inversão desse olhar que associa jovem à
delinqüência, como nos textos que utilizam termos como delinqüência juvenil
para retratar determinados indivíduos que teriam em comum a idade e uma forma
de se comportarem. Diversos estudos tratam juventude a partir do
problema do aumento da violência[3].
Um dos efeitos da relação juventude/violência são definições como jovens
em situação de risco ou juventude
violente que se tornaram a base para alguns programas sociais que pretendem
reintroduzir na sociedade esses excluídos. Nestas duas perspectivas jovem
carrega características que definem determinados indivíduos à priori.
Essas
muitas concepções de juventude apontam para as questões: é possível uma
concepção/conceito de juventude? Ou ainda, será esse cerne do debate?
Fugindo
do essencialismo : juventude em disputa
A
definição de juventude, seja na academia, seja no âmbito das políticas
públicas, seja, ainda, nos movimentos sociais, é uma disputa. Essa disputa gera
relações de poder.
A
definição de juventude construída a partir da relação juventude/violência,
amplamente difundida na década de 90, parte da percepção de juventude
como um público alvo e/ou “cooptável” pela violência organizada. A base dessa
definição é um olhar que privilegia a concepção de juventude excluída.
Essa foi uma construção que teve como ganho a visibilidade da juventude
como categoria social, mas, também, consolidou um olhar para juventude
como uma “população” de determinada faixa etária, que está em um período
transitório no seu processo de formação e que é alvo da violência, em todos os
sentidos. Um juventude perigosa. Uma juventude que deve ser
“salva”, incluída e direcionada, para finalmente por em movimento, o que seria
intrínseco à juventude, a sua capacidade empreendedora.
Essa
concepção de juventude e de políticas públicas não foi uma construção de
movimentos sociais, mas teve implicações na consolidação de uma lógica pontual
de se enfrentar a questão. O eixo dessa abordagem é a concepção de empreendedorismo,
a nova roupagem do “self-made-man” (o homem que
constrói a si mesmo) dos velhos princípios dos primórdios do individualismo
capitalista. Ou seja, cabe ao jovem, através da ação de agentes sociais,
se resgatar e resgatar a sua localidade. Transfere-se para o jovem a
tarefa da micro-transformação social, que, multiplicada gerará grandes mudanças
na qualidade de vida da sociedade contemporânea. Construiu-se um olhar que se
tornou hegemônico sobre juventude, e sobre os tipos de ações que podem
ou devem ser geradas para estes jovens em situação de risco. Através, de
programas e ações se transforma o jovem em situação de risco em jovem
protagonista. Esta é uma concepção que pode contribuir para afastar os jovens
dos tradicionais espaços de militância política (partidos, sindicatos,
movimento estudantil e até mesmo cristianismo progressista), do debate das
grandes transformações sociais e das utopias.
Ou
seja, as concepções de juventude em disputa geram ideologia, geram
políticas públicas, geram formas de se disputar a sociedade.
Juventude é sem dúvida mais
que uma palavra. Ao acionar juventude como forma de definir uma
determinada população, um movimento social ou cultural, ao usar a palavra jovem
para definir alguém ou para se autodefinir, estamos, também, acionando formas
de classificação que implicam em relações entre pessoas, classes sociais,
relações familiares, relações de poder, etc. Isto é, pessoas que vivem a
experiência da vida como jovens, e assim são tratados.
Considero
que historicamente juventude/jovem tem representado, acima de tudo,
relações de hierarquia social. Juventude definida, seja como
revolucionária/transformadora, seja como problema, é, muitas vezes, tratada a
partir de um olhar que define hierarquicamente o papel social de determinados
indivíduos e mesmo organizações coletivas. Juventude/jovem associado à transitoriedade do ciclo-de-vida
ou mesmo biológico, transfere para aqueles que assim são identificados, a
imagem de pessoas em formação, incompletos, sem vivência, sem experiência,
indivíduos, ou grupo de indivíduos que precisam ser regulados, encaminhados.
Isto tem implicações desde a dificuldade de se conseguir o primeiro emprego,
até a deslegitimação da sua participação em espaços de decisão.
Podemos
afirmar que os jovens são colocados em posições de submissão, seja no
espaço da família – principalmente as que reproduzem as estruturas patriarcais
mais tradicionais –, seja em espaços cotidianos da sociedade. Esta situação é
ainda agravada no caso de jovens mulheres e homossexuais.
Assim,
reproduz-se a idéia de um período da vida privilegiado em que a sociedade (isto
é, a família, a escola, as organizações políticas, etc.) pode moldar pessoas,
gera ações de controle, repressão com base na idéia de um indivíduo que ainda
não é pleno e, portanto, também não é pleno de direitos. É este tipo de
construção que legitima ações mais ou menos violentas, por parte dessas
diferentes instituições sociais, sejam elas ações de violência física ou
simbólica.
As
organizações de juventude, ontem e hoje, contribuíram para a
visibilidade das muitas juventudes. A principal contribuição foi
demonstrar que aqueles que são organizados como juventude têm algo a
dizer sobre ser jovem, no mundo hoje, e os problemas específicos que
enfrentam. Por outro lado, os dados estatísticos das diversas pesquisas
realizadas osbre jovem, trabalhando com um corte etário de 15-24 anos,
mostram como esta é uma população que sofre de maneira mais perversa as
conseqüências das desigualdades sociais. São as maiores vítimas da violência,
do desemprego, da pobreza. A resposta do poder público tem se dado a partir de
políticas públicas focais.
Entretanto,
muitas organizações de jovens no Brasil mostram que os jovens são
vítimas não apenas de questões específicas, como o difícil acesso ao ensino
médio e superior no Brasil, mas, também, dos problemas estruturais da nossa
sociedade. Assim, se os programas específicos são bem vindos como forma de dar
visibilidade e de enfrentar, ainda que com limitações, os problemas, não podem
estar descolados de um debate de fundo. Demandas como as de organizações de jovens
rurais pela transformação política nos rumos da chamada reforma agrária – sem
os quais não só os jovens, mas também os “velhos”, vão sair dos campos –
mostram que pensar políticas públicas para juventude tem que ir muito
além do debate setorial.
O debate
sobre juventude: quais as tarefas?
O
debate sobre juventude nos Movimentos Sociais vem ganhando fôlego nos
últimos anos. Pode-se afirmar que até a década de 80 juventude não era
uma identidade social utilizada pelos militantes da maioria dos principais
movimentos sociais no Brasil. No entanto, se o debate vem se colocando de forma
cada vez mais visível, continua periférico e setorizado. Ou seja, juventude tem que se preocupar com juventude.
Ou ainda, como apontou Denisar (1993), o jovem é tratado, muitas vezes,
como aquele que faz tarefas práticas,
que engrossa a passeata, que carrega o piano, mas que, ainda não está preparado
para dirigir que não a própria juventude.
O
grande desafio é disputar politicamente o espaço para que aqueles que são
vistos como jovens – isto é, em formação, imaturos, novos,
que ainda têm muito a aprender – tenham o mesmo espaço de legitimidade
política que qualquer outro militante de partido/movimento social. Que uma
liderança estudantil/movimentos de juventude seja tratada como liderança e não
como estudante, jovem, ou seja, como aquele que deve se limitar a
participar dos espaços do seu movimento. Ou, ainda, que participa dos
espaços de direção como uma maneira de ir aprendendo a fazer política.
Está é uma concepção que reproduz jovem como um vir a ser. Jovem não
faz política e sim se forma para vir a fazer política um dia. Para se
tornar um dirigente.
O
desafio para a juventude organizada de esquerda é disputar o papel da juventude
nos movimentos sociais e na sociedade. Construir a partir da militância nas
organizações de juventude, partidos e movimentos sociais formulações que
garantam o debate setorial do tema, mas como parte de políticas estruturais.
Neste sentido é importante dialogar com as iniciativas do Governo Federal,
valorizando os avanços na visibilidade que vem sendo dada à juventude,
como a criaçào e consolidação da Secretaria Nacional de Juventude e do Conselho
Nacional de Juventude, mas contribuindo para que o debate dos rumos da
política econômico, da reforma agrária, da reforma universitária, faça parte
dessa formulação sobre políticas públicas para a juventude brasileira.
Juventude,
jovens,
estão em disputa. Essa
disputa deve ser tratada em dois níveis, como disputa contra a submissão/papel
de inferioridade que a juventude/jovem é colocado na sociedade hoje. E
na disputa da própria juventude, daqueles que assim se identificam, nos
rumos de uma transformação social. Nos movimentos sociais significa organizar a
juventude ou ainda debater e disputar politicamente com a juventude
organizada. No âmbito das políticas públicas significa definir que políticas
setoriais, mas, principalmente, que políticas estruturais são prioridade para a
juventude hoje no Brasil.
Para
se realizar tarefas tão complexas como essas é preciso dar condições teóricas
aos militantes da juventude para enfrentarem a disputa política. Um
caminho para esse processo é a formação política e teórica para aprofundar o
que entendemos por juventude hoje.
[1] Thévenot
ressalta como o recorte por ocupação (empregado/desempregado) só inclui os que
têm mais de 17 anos, na medida em que até os 17 anos todos os jovens devem
estar na escola, já que o ensino na França é obrigatório. Em recortes que
tratam dos que tem menos de 17 anos estes são agrupados por escolaridade e
freqüência escolar. Dessa forma, essa concepção de juventude seria
definida a partir das normatizações do próprio Estado frnacês. Ou seja,
esconderia o jovem desembpregado
[2]
Apresentação no lançamento do Livro “Retratos da Juventude Brasileira”, ISER,
Rio de Janeiro, 2005. Ver também Abramo (1997).
[3] A preocupação
com a delinqüência gerou diferentes abordagens em períodos históricos diversos.
A associação entre “jovem” e delinqüência foi muito recorrente em pesquisas nas
áreas de psicologia e sociologia realizadas na Alemanha, ver Flitner: 1963. Nos
EUA a Escola de Chicago privilegiava temas como delinqüência e criminalidade,
onde o “jovem” aparece como um
personagem em
destaque. Segundo Coulon (1995), um dos trabalhos mais
marcantes é o de Frederic Thrasher, sobre gangues em Chicago. Publicado
em 1923 “The Gang, A study of 1313 gangs in Chicago”, mostra que as
gangs “agrupavam no início dos anos 1920 pelo menos 25 mil adolescentes e
jovens adultos.” (1995:61) No Brasil a UNESCO vem financiando, desde a década
de 90, em parceria com outras instituições e fundações, pesquisas que analisam
a juventude a partir de enfoques que
privilegiam questões como “violência”, “cidadania” e “educação”.
Fazem parte deste esforço trabalhos como : Minayo, M. C. (et al) (1999);
Sallas, A. L. (et al) (1999); Barreira, C. (coord.) (1999); Waiselfisz, J. (1998,2000); Castro, M.
(coord.) (2001).
Bibliografia
ABRAMO, H.W. “Considerações sobre a
tematização social da juventude no Brasil”,
in PERALVA, A. e SPOSITO, M. (org.),
Juventude e Contemporaneidade – Revista Brasileira de Educação, n.5/6, São
Paulo: ANPED, 1997.
ABRAMO, H.W. e BRANCO, P.P. M (orgs.) Retratos
da Juventude Brasileira : análises de uma pesquisa nacional. SP: Instituto
Cidadania/ Fundação Perseu Abramo, 2005.
BOURDIEU,
Pierre. “A Juventude é apenas uma
palavra” in Questões de Sociologia. Rio
de Janeiro: arco Zero Limitada, 1983.
CASTRO, Elisa Guaraná de. “Young Fellow e Old Fellow: a construção
da categoria “jovem” a partir de um estudo de Arensberg e Kimball sobre família
e comunidade na Irlanda.”, in Estudos
Sociedade e Agricultura, outubro 2004, vol. 12 no. 2, p. 372-321
________,
Entre Ficar e Sair: uma etnografia da construção social da categoria jovem
rural. Tese de Doutorado em Antropologia Social , Rio de Janeiro:
PPGAS/MN/UFRJ, jul/05.
CASTRO,
M. G. (Coord., et alii). Cultivando vida
desarmando violências. Brasília: UNESCO, Brasil Telecom, Fundação Kellogg,
Banco Interamericano de Desenvolvimento, 2001.
DENISAR,
P. O PT e a Juventude: política e concepção. 1993. http://www.pt.org.br/site/secretarias_def/secretarias.asp?cod=17
FLITNER, A. “Os problemas sociológicos nas
primeiras pesquisas sobre a juventude”, in BRITTO, S. (org.), Sociologia da Juventude, I – da Europa de
Marx à América Latina de Hoje. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
FORACCHI, M. M. A Juventude na Sociedade Moderna. São Paulo: EDUSP, 1972.
LEVI,
G. e SCHMITT, J. “Introdução”, in História
da Juventude. SP: Companhia das
Letras,1996,(v. I).
MANNHEIM,
Karl. Sociologia. Coleção Os Grandes Cientistas Sociais (organizadora
Foracchi, M.M.). São Paulo: Ática,1982.
MARGULIS, M. “La Juventude es más que una
plabra”, in MARGULIS,M. (org.), “La
Juventude es más que una plabra”. Buenos Aires:
Biblos, 1996.
NOVAES, Regina R. “Juventude/ juventudes?”, in Comunicações ISER, n.50, ano 17. RJ: ISER, 1998.
________. Caminhos cruzados: juventude, conflito e solidariedade. RJ: ISER,
1996.
PAPA, L.A. e LONGO, L.C.M. Sobre a
Juventude do PT. 2001. http://www.pt.org.br/site/secretarias_def/secretarias.asp?cod=17
PERALVA, Angelina e SPOSITO, M. (org.) Juventude e Contemporaneidade – Revista
Brasileira de Educação, n.5/6, São Paulo: ANPED, 1997.
SALLAS, A. L. F. (et al). Os Jovens de
Curitiba: esperança e desencantamentos. Brasília: Edições UNESCO, 1999.
STOETZEL,
J. “Os jovens na sociedade japonesa : uma identificação demográfica”, in
BRITTO, S. (org.), Sociologia da Juventude, I – da Europa de Marx à América
Latina de Hoje. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968.
THÉVENOT, L. “Une Jeunesse difficile. Les fonctions sociales du flou et de la rigueur dans
les classements”, in Actes de la Recherche en Sciences
Sociales. N.
26-27, março-abril. pp. 3-18, 1979.
VIANNA, H. (org.) Galeras Cariocas. Rio de Janeiro: Contra Capa/ Gestão Comunitária
/Instituto de Investigação e Ação Social, 1997.
WAISELFISZ Mapa da Violência II : os jovens do Brasil. Brasília: UNESCO,
2000.
WAISELFISZ, J. Mapa da Violência : os jovens do Brasil. Rio de Janeiro: Garamond,
1998.
WEISHEIMER, Nilson. Estudos sobre os
Jovens Rurais do Brasil: mapeando o debate acadêmico. Nead/MDA,2004. (mimeo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário