quarta-feira, 4 de abril de 2012


Texto socializado para contribuir com o nosso debate enquanto Juventude da Articulação de Esquerda



Juventude : reflexões para o debate


Elisa Guaraná de Castro (prof. UFRuralRJ)
Colaboração Julian Viscente Rodrigues (Especialista em Economia do Trabalho )

 

Concepção : como sair da armadilha do essencialismo?


Juventude tem sido alvo de intensos debates acadêmicos, políticos e no campo das políticas públicas. Esse momento é especialmente rico para abordarmos a chamada “questão da juventude”. No entanto, ainda registramos a dificuldade de transcendermos o debate “essencialista”, isto é, que busca a essência, a definição-conceito de juventude, tão caro ao objetivismo da ciência moderna. O debate não deve ter como fim a busca da essência da juventude.

Neste texto proponho caminhos para se discutir juventude a partir da concepção de que juventude é uma categoria social disputada, mesmo no que concerne aos seus significados. Ao falarmos de juventude estamos falando de pessoas, coletividades e significados em disputa. Para essa tarefa proponho abordar o debate, em primeiro lugar recuperando algumas construções conceituais de juventude; em seguida apresentarei um possível caminho para a discussão, e, sob esse enfoque, traçarei algumas considerações sobre o debate nos movimentos sociais e no PT.

Concepções de juventude: recuperando o debate

Juventude está, hoje, na ordem do dia. Isto é, juventude aparece na mídia, em ações governamentais e não governamentais, nos movimentos sociais, como algo sobre o qual temos que nos debruçar e debater. Mas nem sempre foi assim. É comum trabalhos acadêmicos que resgatam como juventude, até bem pouco tempo, era um tema periférico e pouco levado a sério como foco de pesquisa. Esse é sem duvida um momento rico para o debate, principalmente quando o observamos a partir dos atores envolvidos e dos caminhos utilizados para abordar o tema juventude. Insisto em tema, já como um primeiro passo para discutirmos os caminhos que vem sendo acionados para analisar juventude.

Se até a década de 90 podemos afirmar que havia pouca preocupação, dos atores envolvidos nesse debate, em precisar “de quem estavam falando”, ou ainda, definir o que se entendia por juventude. Hoje esse é geralmente o ponto de partida das discussões sobre juventude. Busca-se uma definição que dê conta do fenômeno juventude, da categoria juventude, do ser jovem, em fim das muitas formas de se abordar, aquilo que é ao mesmo tempo realidade e representação social. Sem dúvida ao se falar de juventude, hoje, estamos falando de pessoas, movimentos, mas também estamos falando de identidades, relações sociais, e a indissociabilidade entre realidade e representação social. Entre o que é realidade e como apreendemos e reproduzimos esse real.


Permeada por definições genéricas, associada a problemas e expectativas, juventude tende a ser constantemente substantivada, isto é, definida a partir de concepções que tratam juventude como uma coisa palpável. Ou ainda, adjetivada, a partir de adjetivos como revolucionária, impulsiva, violenta. Sem que se busque a autopercepção e formação de identidades daqueles que são definidos como jovens.

Jovem é um termo usado pelo senso comum, pelo campo acadêmico e mesmo em espaços políticos, desde o século XIX. Inicialmente em uma concepção geracional que opunha jovens e velhos, ou jovens e adultos. No final do século XX e nesse início do séc. XXI houve um grande impulso no debate sobre juventude. Entretanto, muitos trabalhos tratam juventude como categoria auto-evidente ou auto-explicativa, como se a concepção de juventude fosse consensual, utilizando idade e/ou comportamento como definições metodológicas. Essa concepção de juventude é retomada nos anos 90, tanto no campo acadêmico quanto pelas políticas sociais. Muitas dessas construções carregam um olhar em que juventude é passível de uma definição universalizante.

Um primeiro caminho é relevante para a análise desse debate: ressaltar as análises e definições mais recorrentes e a própria crítica a essas concepções. Três movimentos ou momentos  se desenham: 1) a definição da categoria a partir de elementos físicos/psicológicos, como faixa etária, mudanças físico-biológicas e/ou comportamentais; 2) a definição substancializada/adjetivada da categoria; e 3) a crítica a esses recortes e busca de outros vieses. Atravessando essas abordagens aparece com freqüência a associação de juventude e jovem a determinados problemas sociológicos e/ou como agentes privilegiados de transformação social.


As definições físico-biológicas e a partir da idade


Flitner (1967), um autor alemão que se debruçou sobre o tema, observa que já em estudos do século XIX a idade aparece como uma forma de identificação privilegiada. Idade juvenil surgiu como uma definição recorrente que se referia a um período pós-puberdade, entre 15-17 anos e um limite que variava com a entrada no que seria definido como mundo adulto.

A identificação de uma população como jovem a partir de um corte etário aparece de forma mais clara em pesquisas da década de 60, como a de Stoetzel (1968) sobre os jovens na sociedade japonesa. O autor define como jovens, indivíduos de uma determinada faixa etária e os analisa a partir de recortes como ciclo-de-vida e comportamento.

O corte etário de 15-24 anos, adotados por organismos internacionais como OMS e UNESCO, procura homogeneizar o conceito de juventude a partir de limites mínimos de entrada no mundo do trabalho, reconhecidos internacionalmente, e limites máximos de término da escolarização formal básica (básico e médio). O recorte de juventude a partir de uma faixa etária específica é pautado pela definição de juventude como período de transição entre a adolescência e o mundo adulto. Essa concepção se estabelece como a mais recorrente a partir da Conferência Internacional sobre Juventude (Conferência de Grenoble-1964, ver, Weisheimer, 2004).
Esta primeira classificação que define jovem a partir de limites mínimos e máximos de idade é amplamente discutida. Para Levi e Schmitt (1996), em História da Juventude, a idade como classificadora é transitória e só pode ser analisada em uma perspectiva histórica de longa duração. Um caminho seria analisar os ritos de passagem que indicam a “entrada” e a “saída” da condição jovem e suas construções simbólicas.

O autor francês Thévenot (1979), discute as definições etárias mais recorrentes. Analisando as estatísticas oficiais da França sobre jovens, decompõe a classificação utilizada demonstrando que esta parte de uma pré-definição e conseqüente enquadramento de quem são os jovens, onde estão e o que fazem. Mas, para o autor, este recorte estaria baseado em uma classificação fundadora deste tipo de levantamento estatístico: a divisão da sociedade em ativos e inativos em relação ao mundo do trabalho. Dessa forma, Thévenot procura demonstrar que o uso de termos como jovem e velho por este tipo de levantamento estatístico é arbitrário, pois parte de uma definição uniforme da juventude construída a priori. Os jovens estariam em uma situação intermediária, que, para Thévenot, mascara os que poderiam ser classificados como jovens trabalhadores ou jovens desempregados[1].

Outra abordagem recorrente, que também caracteriza a idade como uma construção social são definições que partem do conceito de geração. Para Mannhein (1982; Foracchi,1972), duas gerações convivem em dado contexto histórico, juventude, caracterizada como um momento do ciclo-de-vida de todo indivíduo, em oposição à condição adulta.

Os estudos sobre campesinato trouxeram importantes contribuições para o debate. Embora juventude rural seja alvo de muito pouco investimento teórico, alguns estudos debatem concepções de juventude, ainda que este não seja o objetivo central. Este é o caso de um trabalho sobre o campesinato irlandês intitulado “Família e Comunidade na Irlanda”, dos autores Arensberg e Kimball. Neste estudo os autores dão visibilidade a diversas questões que envolvem juventude e ser jovem em uma comunidade rural. Um dos pontos centrais são as relações hierárquicas que envolvem a definição de velho e jovem. Só se tornam adultos e, portanto, respeitados nestas comunidades aqueles que assumem a pequena propriedade da família. Aqueles cujos pais ainda estão vivos ou não passaram o gerenciamento da propriedade para os filhos são tratados pelo termo boy. Mas, embora a tradução literal desse termo seja menino, podia ser usado para designar um homem adulto de 40 anos. Assim, nas palavras de um filho de um pequeno proprietário: “Você pode ser um menino para sempre.” Enquanto o indivíduo não fosse proprietário, ele continuava sendo tratado como o boy do fulano [seu pai]. Um deputado do parlamento irlandês provocou risadas em 1933, quando pediu um tratamento especial na divisão de terras para os “meninos de 45 ou mais”, que não possuíam outra perspectiva, que não esperar pelas terras de seus pais. (Castro, 2004)

O recorte etário permite pesquisas quantitativas em larga escala e a definição de públicos-alvo de políticas públicas. No entanto, deve-se observar os limites destas definições e questionar a naturalização da associação entre juventude e uma faixa etária específica.

A década de 90 – juventude e diversidade


O debate, principalmente a partir das décadas de 80 e 90, trouxe o olhar da diversidade. Para além dos cortes etários, ou apesar deles, não se fala mais em juventude, mas em juventudes. Sem dúvida este foi um caminho que contribuiu para fugirmos de um olhar homogeneizante. Helena Abramo[2] nos traz, por exemplo, a importante reflexão sobre a associação entre juventude, educação e lazer, como uma construção socialmente informada. Essa seria uma concepção classe média que trata a juventude como aqueles que estão em processo de formação e que ainda não têm responsabilidades, principalmente por não estarem inseridos no mercado de trabalho. Com isto se exclui o jovem das classes trabalhadoras da concepção de juventude. Esta é uma contribuição importante para ampliarmos nosso olhar sobre a juventude, mas, também, para percebermos como juventude é uma construção social.

Pierre Bourdieu, um dos precursores no debate sobre juventude, apresentou uma leitura que gerou muita reação. Ao dizer “Somos sempre o jovem ou o velho de alguém”, em um texto intitulado “Juventude é apenas uma palavra” (1983) foi amplamente interpretado como aquele que cunhou um olhar que reduz juventude a um estado de espírito. Ledo engano, o que Bourdieu traz é um olhar relacional sobre juventude. Juventude, como qualquer outra categoria social, deve ser observada a partir das relações sociais, do contexto histórico, das relações de poder, em que está imersa.

Juventude problema – juventude vanguarda


A substantivação/adjetivação de termos como jovem e juventude pode levar a generalizações arriscadas. Em “A Juventud es más que una palabra”, Margulis (1996) – respondendo ao texto de Bourdieu citado acima – qualifica juventude como,
 “A Juventude se ergue como vanguarda portadora de transformações, evidentes ou imperceptíveis nos códigos culturais, e incorpora com naturalidade as mudanças nos costumes e nos significados que foram objetos de luta para a geração anterior; sua sensibilidade, sistema perceptivo, visão das coisas, atitude frente ao mundo, sentido estético, concepção do tempo, valores, velocidades e ritmos, nos indicam que estão habitando com comodidade um mundo que nos vai deixando para traz.” (T.A.)” (1996:9)

Esse olhar quase heróico sobre  juventude perpassa muitos trabalhos sobre o tema, nos quais a juventude aparece como agente de transformações sociais e o jovem como o ator social privilegiado. Se esta imagem de  juventude parece “positiva”, carrega duas concepções subjacentes. A primeira a idéia de que é na juventude que definimos o futuro de nossas vidas. Talvez em sociedades de “pleno emprego” do primeiro mundo, o mito do projeto de vida faça mais sentido. Em sociedades onde reina a desigualdade social e o desemprego esta “escolha” do futuro é muito mais sonho que realidade. Segundo, a idéia de que decidimos nossas posições político-ideológicas frente ao mundo na juventude. É comum a imagem que associa juventude e rebeldia, no sentido de que quando jovens “podemos tudo”. A idéia correlata é de que quando deixamos de ser jovens  e ingressamos no mundo adulto, nos tornamos sérios e responsáveis. Como bem apontaram Luis Papa e Luis Cláudio Longo (2001), a “transição individual da condição subalterna do ser jovem” para a condição de adulto, “é reafirmada, atemporalmente para a juventude,... enquanto categoria social”.

A concepção de “jovem em formação” fortalece uma concepção conservadora de juventude. A disputa política se dá na sociedade das mais variadas formas, e, também, entre e com os jovens. Mas, certamente, que pelos jovens serem percebidos socialmente como “em formação” recebem um bombardeio maior da mídia, de partidos políticos, da família, da igreja, etc.

Assim, mesmo quando se faz a crítica à substancialização ou à pré-definições etárias, em muitos casos, vemos ser reforçada a característica transformadora “inerente ao jovem”. Ou ainda, a inversão desse olhar que associa jovem à delinqüência, como nos textos que utilizam termos como delinqüência juvenil para retratar determinados indivíduos que teriam em comum a idade e uma forma de se comportarem. Diversos estudos tratam juventude a partir do problema do aumento da violência[3]. Um dos efeitos da relação juventude/violência são definições como jovens em situação de risco ou juventude violente que se tornaram a base para alguns programas sociais que pretendem reintroduzir na sociedade esses excluídos. Nestas duas perspectivas jovem carrega características que definem determinados indivíduos à priori.

Essas muitas concepções de juventude apontam para as questões: é possível uma concepção/conceito de juventude? Ou ainda, será esse cerne do debate?

Fugindo do essencialismo : juventude em disputa


A definição de juventude, seja na academia, seja no âmbito das políticas públicas, seja, ainda, nos movimentos sociais, é uma disputa. Essa disputa gera relações de poder.

A definição de juventude construída a partir da relação juventude/violência, amplamente difundida na década de 90, parte da percepção de juventude como um público alvo e/ou “cooptável” pela violência organizada. A base dessa definição é um olhar que privilegia a concepção de juventude excluída. Essa foi uma construção que teve como ganho a visibilidade da juventude como categoria social, mas, também, consolidou um olhar para juventude como uma “população” de determinada faixa etária, que está em um período transitório no seu processo de formação e que é alvo da violência, em todos os sentidos. Um juventude perigosa. Uma juventude que deve ser “salva”, incluída e direcionada, para finalmente por em movimento, o que seria intrínseco à juventude, a sua capacidade empreendedora.

Essa concepção de juventude e de políticas públicas não foi uma construção de movimentos sociais, mas teve implicações na consolidação de uma lógica pontual de se enfrentar a questão. O eixo dessa abordagem é a concepção de empreendedorismo, a nova roupagem do “self-made-man” (o homem que constrói a si mesmo) dos velhos princípios dos primórdios do individualismo capitalista. Ou seja, cabe ao jovem, através da ação de agentes sociais, se resgatar e resgatar a sua localidade. Transfere-se para o jovem a tarefa da micro-transformação social, que, multiplicada gerará grandes mudanças na qualidade de vida da sociedade contemporânea. Construiu-se um olhar que se tornou hegemônico sobre juventude, e sobre os tipos de ações que podem ou devem ser geradas para estes jovens em situação de risco. Através, de programas e ações se transforma o jovem em situação de risco em jovem protagonista. Esta é uma concepção que pode contribuir para afastar os jovens dos tradicionais espaços de militância política (partidos, sindicatos, movimento estudantil e até mesmo cristianismo progressista), do debate das grandes transformações sociais e das utopias.

Ou seja, as concepções de juventude em disputa geram ideologia, geram políticas públicas, geram formas de se disputar a sociedade.

Juventude é sem dúvida mais que uma palavra. Ao acionar juventude como forma de definir uma determinada população, um movimento social ou cultural, ao usar a palavra jovem para definir alguém ou para se autodefinir, estamos, também, acionando formas de classificação que implicam em relações entre pessoas, classes sociais, relações familiares, relações de poder, etc. Isto é, pessoas que vivem a experiência da vida como jovens, e assim são tratados.

Considero que historicamente juventude/jovem tem representado, acima de tudo, relações de hierarquia social. Juventude definida, seja como revolucionária/transformadora, seja como problema, é, muitas vezes, tratada a partir de um olhar que define hierarquicamente o papel social de determinados indivíduos e mesmo organizações coletivas. Juventude/jovem  associado à transitoriedade do ciclo-de-vida ou mesmo biológico, transfere para aqueles que assim são identificados, a imagem de pessoas em formação, incompletos, sem vivência, sem experiência, indivíduos, ou grupo de indivíduos que precisam ser regulados, encaminhados. Isto tem implicações desde a dificuldade de se conseguir o primeiro emprego, até a deslegitimação da sua participação em espaços de decisão.

Podemos afirmar que os jovens são colocados em posições de submissão, seja no espaço da família – principalmente as que reproduzem as estruturas patriarcais mais tradicionais –, seja em espaços cotidianos da sociedade. Esta situação é ainda agravada no caso de jovens mulheres e homossexuais.

Assim, reproduz-se a idéia de um período da vida privilegiado em que a sociedade (isto é, a família, a escola, as organizações políticas, etc.) pode moldar pessoas, gera ações de controle, repressão com base na idéia de um indivíduo que ainda não é pleno e, portanto, também não é pleno de direitos. É este tipo de construção que legitima ações mais ou menos violentas, por parte dessas diferentes instituições sociais, sejam elas ações de violência física ou simbólica.

As organizações de juventude, ontem e hoje, contribuíram para a visibilidade das muitas juventudes. A principal contribuição foi demonstrar que aqueles que são organizados como juventude têm algo a dizer sobre ser jovem, no mundo hoje, e os problemas específicos que enfrentam. Por outro lado, os dados estatísticos das diversas pesquisas realizadas osbre jovem, trabalhando com um corte etário de 15-24 anos, mostram como esta é uma população que sofre de maneira mais perversa as conseqüências das desigualdades sociais. São as maiores vítimas da violência, do desemprego, da pobreza. A resposta do poder público tem se dado a partir de políticas públicas focais.

Entretanto, muitas organizações de jovens no Brasil mostram que os jovens são vítimas não apenas de questões específicas, como o difícil acesso ao ensino médio e superior no Brasil, mas, também, dos problemas estruturais da nossa sociedade. Assim, se os programas específicos são bem vindos como forma de dar visibilidade e de enfrentar, ainda que com limitações, os problemas, não podem estar descolados de um debate de fundo. Demandas como as de organizações de jovens rurais pela transformação política nos rumos da chamada reforma agrária – sem os quais não só os jovens, mas também os “velhos”, vão sair dos campos – mostram que pensar políticas públicas para juventude tem que ir muito além do debate setorial.

 

O debate sobre juventude: quais as tarefas?


O debate sobre juventude nos Movimentos Sociais vem ganhando fôlego nos últimos anos. Pode-se afirmar que até a década de 80 juventude não era uma identidade social utilizada pelos militantes da maioria dos principais movimentos sociais no Brasil. No entanto, se o debate vem se colocando de forma cada vez mais visível, continua periférico e setorizado. Ou seja,  juventude tem que se preocupar com juventude. Ou ainda, como apontou Denisar (1993), o jovem é tratado, muitas vezes, como aquele que faz tarefas práticas, que engrossa a passeata, que carrega o piano, mas que, ainda não está preparado para dirigir que não a própria juventude.

O grande desafio é disputar politicamente o espaço para que aqueles que são vistos como jovens – isto é, em formação, imaturos, novos, que ainda têm muito a aprender – tenham o mesmo espaço de legitimidade política que qualquer outro militante de partido/movimento social. Que uma liderança estudantil/movimentos de juventude seja tratada como liderança e não como estudante, jovem, ou seja, como aquele que deve se limitar a participar dos espaços do seu movimento. Ou, ainda, que participa dos espaços de direção como uma maneira de ir aprendendo a fazer política. Está é uma concepção que reproduz jovem como um vir a ser. Jovem não faz política e sim se forma para vir a fazer política um dia. Para se tornar um dirigente.

O desafio para a juventude organizada de esquerda é disputar o papel da juventude nos movimentos sociais e na sociedade. Construir a partir da militância nas organizações de juventude, partidos e movimentos sociais formulações que garantam o debate setorial do tema, mas como parte de políticas estruturais. Neste sentido é importante dialogar com as iniciativas do Governo Federal, valorizando os avanços na visibilidade que vem sendo dada à juventude, como a criaçào e consolidação da Secretaria Nacional de Juventude e do Conselho Nacional de Juventude, mas contribuindo para que o debate dos rumos da política econômico, da reforma agrária, da reforma universitária, faça parte dessa formulação sobre políticas públicas para a juventude brasileira.

Juventude, jovens, estão em disputa. Essa disputa deve ser tratada em dois níveis, como disputa contra a submissão/papel de inferioridade que a juventude/jovem é colocado na sociedade hoje. E na disputa da própria juventude, daqueles que assim se identificam, nos rumos de uma transformação social. Nos movimentos sociais significa organizar a juventude ou ainda debater e disputar politicamente com a juventude organizada. No âmbito das políticas públicas significa definir que políticas setoriais, mas, principalmente, que políticas estruturais são prioridade para a juventude hoje no Brasil.

Para se realizar tarefas tão complexas como essas é preciso dar condições teóricas aos militantes da juventude para enfrentarem a disputa política. Um caminho para esse processo é a formação política e teórica para aprofundar o que entendemos por juventude hoje.


[1] Thévenot ressalta como o recorte por ocupação (empregado/desempregado) só inclui os que têm mais de 17 anos, na medida em que até os 17 anos todos os jovens devem estar na escola, já que o ensino na França é obrigatório. Em recortes que tratam dos que tem menos de 17 anos estes são agrupados por escolaridade e freqüência escolar. Dessa forma, essa concepção de juventude seria definida a partir das normatizações do próprio Estado frnacês. Ou seja, esconderia o jovem desembpregado
[2] Apresentação no lançamento do Livro “Retratos da Juventude Brasileira”, ISER, Rio de Janeiro, 2005. Ver também Abramo (1997).
[3] A preocupação com a delinqüência gerou diferentes abordagens em períodos históricos diversos. A associação entre “jovem” e delinqüência foi muito recorrente em pesquisas nas áreas de psicologia e sociologia realizadas na Alemanha, ver Flitner: 1963. Nos EUA a Escola de Chicago privilegiava temas como delinqüência e criminalidade, onde o “jovem” aparece como um personagem em destaque. Segundo Coulon (1995), um dos trabalhos mais marcantes é o de Frederic Thrasher, sobre gangues em Chicago. Publicado em 1923 “The Gang, A study of 1313 gangs in Chicago”, mostra que as gangs “agrupavam no início dos anos 1920 pelo menos 25 mil adolescentes e jovens adultos.” (1995:61) No Brasil a UNESCO vem financiando, desde a década de 90, em parceria com outras instituições e fundações, pesquisas que analisam a juventude a partir de enfoques que privilegiam questões como “violência”, “cidadania” e “educação”. Fazem parte deste esforço trabalhos como : Minayo, M. C. (et al) (1999); Sallas, A. L. (et al) (1999); Barreira, C. (coord.) (1999); Waiselfisz, J. (1998,2000); Castro, M. (coord.) (2001).

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